quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Fotografia e lugares: a arte da expressão do olhar

Luisa Granato                                                                                    luugac@gmail.com

IMG_2035“Eu estava ouvindo música – durante a aula, pois nunca fui aluno exemplar – e escutei a notícia de um acidente com o avião da TAM. Eu peguei o meu carro e cheguei ao local com a minha câmera, estava cheio de fotógrafos e jornalistas, mas ninguém podia se aproximar do acidente. Vi no canto um grupo de estudantes voluntários que levava água para os bombeiros e foi junto com eles que eu entrei no meio dos escombros. Escondi a câmera e entrei para ajudar. O grupo voltou e eu fiquei por lá, tirando fotos. Foi aí que tirei a foto que começou a minha carreira no fotojornalismo, um bombeiro no momento em que tirava a caixa preta da cabine de controle destruída.”

Assim Caio Guatelli abriu a palestra do segundo dia da V Semana de Fotojornalismo com o tema “Lugares”. O evento contou com a presença do fotógrafo que trabalhou para os jornais O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, e também da arquiteta Dirce Carrion, responsável pelo projeto “Olhares Cruzados”, que usa a fotografia como forma de troca de visões de mundo entre crianças e adolescentes da América Latina e África.

Guatelli relatou sua experiência no Haiti em 2010, quando o país foi arrasado por um terremoto e o fotógrafo foi chamado pela Folha para fazer a cobertura. Embora já tivesse passado por Porto Príncipe, acompanhando a visita do ex-presidente Lula pela América Latina, ele nunca estivera no meio de um desastre como aquele, e ele registrou o estado de carência e desespero daquelas pessoas e conta que isso o fez sentir um intruso. Mas logo o sentimento tornou-se o de ameaçado, quando ele presenciou um conflito entre haitianos e a polícia, que tentava manter as pessoas afastadas de um banco colapsado.IMG_2033

E no meio do caos e de tiros, uma foto icônica. Um homem caiu morto e seus pertences foram levados por pessoas da aglomeração que reviraram seus bolsos. Guatelli fotografou o último dólar sendo tirado do morto. Essa foto foi mostrada numa apresentação junto de outras fotos feitas na semana que passou lá após o terremoto, assim como o ensaio que ele fez das eleições no Haiti um ano depois. A última impressão que deixa dos haitianos, compartilhada por Dirce Carrion, é de um povo bonito em todos os sentidos. “Além da beleza física, é a beleza humana mesmo. É um povo cheio de dignidade e orgulho”.

Então chega a vez da segunda palestrante, Dirce Carrion falar sobre o trabalho do Olhares Cruzados, projeto que por meio de fotos e cartas estabelece um contato entre crianças brasileiras e africanas. Em comunidades do Caribe, da América Latina e da África, um grupo de crianças recebem máquinas analógicas e devem registrar como são suas vidas em 36 fotos. A fotografia, para Carrion, é acima de tudo uma forma de olhar o mundo e, nas mãos dessas crianças é possível perceber a forma como elas veem seu mundo, muito diferente do olhar superficial dado pelo resto do planeta. “Reconhecer sua própria realidade é um processo educativo.”.

No final do projeto, é feita uma exposição em que os participantes são convidados e todas as crianças recebem um livro com todas as fotos para guardar e lembrar. Dirce Carrion comentou da coincidência de ter sido convidada a dar palestra junto com Caio Guatelli, pois a segunda vez que o projeto ocorreu, em 2005, o local escolhido foi o Haiti. Ela mostrou em seguida as fotos tiradas pelas crianças haitianas. Nessas fotos, podia-se ver a preocupação de ter as vestimentas bem alinhadas para ir à escola e a presença da televisão como forma de mostrar suas posses. Somente com 36 chances para mostrar toda sua realidade, as crianças são forçadas a tornarem-se seletivas no que realmente precisam retratar, pois essas fotografias serão sua forma de se expressar para o mundo.

0 comentários: